Mundial Fukuoka 2023 em análise: do Japão veio a prata

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Fukuoka’23: do Japão veio a prata

Análise de João Bastos

Terminaram os campeonatos do mundo que decorreram em Fukuoka, de 14 a 30 de julho.

Com uma delegação composta por oito nadadores de natação pura, quatro das águas abertas e duas da natação artística, Portugal escreveu em Fukuoka a sua mais bonita página de História com a conquista da prata de Diogo Ribeiro.

Mas por muito brilhante que seja o metal conquistado pelo jovem nadador português, não ofusca outros méritos alcançados no Japão, onde a seleção de natação pura obteve 8 classificações no top-16, sendo apenas superada pelas 10 de Gwangju, somando as três classificações no top-16 das águas abertas e as duas da natação artística.

Sendo certo que no historial da natação portuguesa não se encontram muitas competições bem-sucedidas no pacífico, Fukuoka’23 fica na parte das boas recordações.

Aqui ficam os destaques da participação nacional:

Diogo Ribeiro

O momento em que a natação portuguesa subiu mais alto no seu historial foi o momento em que Diogo Ribeiro subiu ao pódio dos 50 mariposa para a posição de prata. Aos 18 anos, o nadador português a competir no seu primeiro mundial absoluto obteve o melhor resultado de sempre para a natação lusa através dos seus 22.80 e sendo apenas superado pelo italiano Thomas Ceccon, que já no ano passado se tinha sagrado campeão europeu em Roma, onde Diogo levou o bronze.

De resto, o pódio mundial dos 50 mariposa teve os mesmos protagonistas do pódio europeu da mesma prova no ano passado, com Ribeiro a trocar de lugar com o francês Maxime Grousset.

Depois do bronze europeu, do tri-campeonato mundial de juniores, do recorde mundial de juniores e da prata mundial, Diogo Ribeiro já é o nadador português com o maior palmarés internacional de sempre, uma referência para toda uma nova geração de nadadores e o maior ativo de promoção da modalidade, uma responsabilidade demasiado pesada para um jovem de apenas 18 anos, mas se há coisa que o benfiquista tem mostrado ao longo da sua carreira é saber estar à altura das suas responsabilidades e agigantar-se nos momentos de maior pressão.

Cabe-nos a nós, adeptos da modalidade, dirigentes federativos, companheiros de equipa e de seleção e à equipa técnica liderada pelo DTN, Alberto Silva, ajudar a carregar o peso, na certeza de estarmos perante um talento que pode mudar radicalmente a forma como o nosso desporto é percecionado cá dentro e lá fora.

Nas outras provas que nadou, Ribeiro passou sempre à meia-final. Foi 10º classificado nos 100 metros livres, 13º nos 50 metros livres e igualmente 13º nos 100 metros mariposa.

Angélica André

Até Diogo Ribeiro entrar em ação, o 4º lugar de Angélica na prova dos 5 km em águas abertas foi a melhor classificação portuguesa de sempre em mundiais.

O pódio esteve ali tão perto e tanto mais valorizável é o feito da portuguesa tendo em conta quem o ocupou – Leonie Beck, bi-campeã do mundo dos 10 km; Sharon van Rouwendaal, campeã olímpica de 2016; e Ana Marcela Cunha, campeã olímpica de 2020 (e 7 vezes campeã do mundo).

Antes deste 4º lugar, a melhor prestação lusa em mundiais de águas abertas era o 7º lugar de Angélica nos 10 km do mundial do ano passado, o que evidencia a consistência de resultados e a intromissão cada vez mais afirmativa entre a elite mundial.

Depois do bronze nos europeus do ano passado nos 10 km, este é mais um resultado de grande nível da pupila de José Manuel Borges numa carreira que, aos 28 anos, continua em crescendo.

Antes, nos 10 km, fora 15ª.

Cheila Vieira e Maria Beatriz Gonçalves

A Humanidade tem em nomes como Vasco da Gama, Neil Armstrong ou Roald Amundsen as referências maiores de seres humanos que chegaram a sítios onde nenhuns outros tinham chegado antes. A natação artística portuguesa tem Cheila Vieira e Maria Beatriz Gonçalves como as pioneiras da disciplina em tudo. Frequentemente a estabelecer novas melhores pontuações nas categorias de dueto técnico e dueto livre, primeiras a chegar à final de europeu e agora a escreverem mais uma página na história de marcos inéditos destas duas nadadoras.

Em Fukuoka lograram chegar à final da competição de dueto técnico, feito que nunca antes tinha sido alcançado pela artística portuguesa.

Na final, a dupla da Gesloures e da seleção nacional classificou-se no 11º lugar com 208.46 pontos, aumentando a confiança do dueto (e de todos nós) que a próxima expedição a um lugar até agora inóspito para a natação artística portuguesa será já no próximo ano, em Paris.

Ainda participaram no dueto livre onde se classificaram no 15º lugar, a sua segunda melhor classificação no cômputo das quatro participações em mundiais que a dupla já contabiliza no currículo.

João Costa

O vimaranense era, dos mundialistas, aquele que estava mais próximo dos Jogos (descontando, obviamente, os três já apurados previamente) com os seus 53.87 nos 100 costas a distarem “apenas” 14 centésimos do tempo de apuramento para Paris 2024.

Por isso, Costa partia para Fukuoka com olhos postos na capital francesa. E tudo saiu bem. A iniciar o seu programa de provas logo com a sua melhor prova – o que poderia não ser a situação ideal para um nadador em estreia em mundiais de piscina longa – João nadou as eliminatórias dos 100 costas no tempo de 53.71 e tornou-se no quarto português a qualificar-se para os Jogos Olímpicos.

Junta-se assim a Diogo Ribeiro, Miguel Nascimento e Camila Rebelo. Os quatro serão estreantes em Jogos Olímpicos no próximo ano.

Ainda em Fukuoka igualou o recorde nacional dos 50 costas, partilhando-o agora com Alexis Santos, no tempo de 25.28 e abriu a estafeta recordista nacional de 4x100 metros estilos. Nos 200 costas nadou em 1:59.30 para o 19º lugar.

Mafalda Rosa

A campeã europeia de juniores de 2021 voltou a fazer top-10 numa competição internacional. Depois de ter sido 9ª na prova dos 5 km no Europeu do ano passado, fez a mesma classificação na mesma prova no mundial deste ano, fazendo com que Portugal fosse, com o Brasil, as únicas seleções com duas nadadores no top-10 desta prova.

Na distância olímpica dos 10 km foi 17ª classificada.

Com Angélica e Mafalda e o sistema de apuramento para Paris (diferente dos três sistemas de apuramento anteriores), a qualificação das duas nadadoras poderá ser uma realidade. Neste momento já se apuraram Leonie Beck, Chelsea Gubecka e Katie Grimes. Em Doha vão apurar-se outras 13 nadadoras. Se uma dessas 13 nadadoras for francesa, entra a 14ª porque o país organizador já tem uma quota. E depois ainda haverá uma quota por continente.

Se este sistema só se aplicasse a Fukuoka, Angélica e Mafalda estavam apuradas. É esperar que em Doha também assim seja.

4x100 metros estilos masculinos

O quarteto que gerava grande expetativa transformada em ansiedade uma vez que, como é tradição em qualquer competição internacional, era a última prova do programa.

Depois deste mesmo quarteto ter sido 5º nos Jogos do Mediterrâneo do ano passado, com recorde nacional de 3:37.50, a perspetiva de entrar no radar da qualificação olímpica era mais do que legítima.

Aqui um parêntesis para explicar como funciona a qualificação para as estafetas: apuraram-se em Fukuoka as três primeiras classificadas na final (EUA, China e Austrália) e apurar-se-ão os restantes 13 melhores tempos no combinado entre as eliminatórias dos mundiais de Fukuoka e Doha no próximo ano.

O quarteto luso nadou em 3:35.63 (João Costa – 54.13; Gabriel Lopes – 1:00.57; Diogo Ribeiro – 51.76; e Miguel Nascimento – 49.17) e classificou-se no 16º lugar, significando que, para já, ocupa a última vaga de acesso para Paris 2024.

A marca é o novo recorde nacional, superando em quase dois segundos o anterior.

Quanto ao apuramento olímpico, Portugal terá de voltar a nadar a prova em fevereiro, em Doha, para defender a posição que agora mantém no ranking, tendo em consideração que em Fukuoka acabaram desclassificadas equipas de enorme valia como o Brasil e a Nova Zelândia e estiveram ausentes seleções poderosas como os Países Baixos de Kamminga e Korstanje (que procura um costista de nível) e a Hungria de Milak (ausente de Fukuoka), Kos e Nemeth (faltando em bruços um digno sucessor de Gyurta).

Camila Rebelo

Pode-se analisar a prestação de Camila utilizando dois copos. Um meio vazio onde se considera que das três provas de costas nadadas, só melhorou o seu tempo de inscrição na mais curta e outro, meio cheio, onde se coloca a meia final alcançada nos 200 metros costas logo na primeira participação em mundiais.

A diferença é que o segundo copo é bem maior que o primeiro, tendo em conta que foi apenas a sexta mulher portuguesa a nadar na sessão da tarde de uns mundiais (10ª a classificar-se no top-16), mesmo ficando a dois segundos do seu melhor tempo, o que é representativo do patamar em que já está a nadadora do Louzan Natação aos 20 anos de idade.

Camila nadou nas eliminatórias dos 200 costas em 2:11.80 e nas meias em 2:12.47, classificando-se na 15ª posição.

Depois de ser finalista europeia no ano passado, Camila é agora semifinalista mundial. Já com mínimos para os Jogos de Paris, ficamos a torcer por ver o copo transbordar na capital francesa.

Gabriel Lopes

Ainda não foi desta que o olímpico garantiu nova presença em Jogos Olímpicos (ou talvez sim, dependendo da estafeta), mas voltou a colecionar uma classificação de relevo para o seu currículo.

Chegando a Fukuoka com um novo estatuto, o de medalhado de bronze europeu nos 200 estilos, Gabriel partiu no encalço dos 1:57.94 logo nas eliminatórias, numa série que contava com o vice-campeão olímpico da prova e o campeão europeu de 2016.

Apurou-se para a meia-final com 1:58.77, 4ª marca da carreira, mas na meia-final quedou-se pelo 16º lugar com 2:00.28. Esta é a segunda meia-final em mundiais de piscina longa do nadador português, depois de ter estado na meia da mesma prova em Gwangju’19.

Na outra prova que nadou, os 100 metros bruços, ficou na 32ª posição com 1:01.69, a 4 centésimos do seu recorde pessoal. Fez parte do quarteto recordista nacional de 4x100 metros estilos, tirando mais de um segundo no percurso de bruços em relação ao que havia feito na prova individual.

Restantes desempenhos nacionais

Tamila Holub foi 20ª nos 1500 metros livres com 16:30.39 e 25ª nos 800 metros com 8:42.90. A nadadora do Braga cumpriu a sua terceira participação em campeonatos do mundo.

Tiago Campos repetiu a classificação de Budapeste nos 10 km em águas abertas. De resto, o 20º lugar é um lugar comum para o nadador de Rio Maior também em etapas da Taça do Mundo. É uma hipótese muito remota, mas não é de descartar que esse lugar em Doha lhe garanta o apuramento olímpico. Esta foi a sua terceira participação em mundiais.

Diogo Cardoso foi 23º na prova dos 10 km na sua estreia em mundiais. Nadou ainda os 5 km terminando na 35ª posição.

Diana Durães foi a 28ª classificada nos 1500 metros livres com o tempo de 17:05.18. Foi a quarta vez que Diana representou Portugal nuns campeonatos do mundo de piscina longa igualando Victoria Kaminskaya no número de participações, sendo agora a segunda mulher portuguesa com mais participações em mundiais de longa.

Miguel Nascimento participou nos seus terceiros mundiais e nadou os 50 metros livres, prova onde já garantiu a presença nos próximos Jogos Olímpicos, classificando-se no 34º lugar com 22.38. Nadou ainda os 50 mariposa no 42º lugar em 23.95. Fechou a estafeta portuguesa de 4x100 metros estilos carimbando o 16º lugar.

Ana Pinho Rodrigues foi a maior infortunada da seleção. Com uma carreira que conta com participações em todas as grandes competições internacionais, só lhe faltava mesmo a presença num mundial de piscina longa. E já não falta, mas a estreia não correu como a nadadora da Escola Desportiva de Viana sonhou, tendo-se lesionado. Ainda nadou os 100 bruços no 37º posto com 1:09.97, mas fica a dúvida do que poderia fazer na sua melhor prova, os 50 bruços, onde o seu tempo recorde nacional dava acesso à meia-final.

Curiosidades

- Há apenas uma prova individual que nunca teve a presença de um(a) português(a) em campeonatos do mundo de piscina longa, os 50 metros livres. Ana Pinho Rodrigues podia ter sido a primeira, mas a infeliz lesão privou-a (para já) de garantir esse estatuto. Aguardemos por Doha para quebrar o enguiço;

- Miguel Nascimento e Gabriel Lopes entraram no lote dos nadadores portugueses que nadaram 5 provas diferentes em campeonatos do mundo. Com os 50 mariposa, Miguel Nascimento já nadou em mundiais os 50, 100 e 200 livres, os 50 e 200 mariposa; Gabriel com a estreia nos 100 bruços já alinhou nos 50, 100 e 200 costas, 100 bruços e 200 estilos. Ambos igualaram Carlos Almeida (50, 100 e 200 bruços, 200 e 400 estilos) e perseguem Diogo Carvalho, o único a ter nadado 6 provas (50, 100 e 200 mariposa, 200 bruços, 200 e 400 estilos);

- Com a sua meia-final, Gabriel Lopes fez da prova dos 200 estilos a prova com mais presenças lusas em meias finais (ou lugares no top-16). No total foram 7 vezes que os portugueses chegaram às meias-finais em mundiais, por intermédio de 3 nadadores – Diogo Carvalho (3), Alexis Santos (2) e Gabriel Lopes (2). Até estes mundiais era a prova dos 200 bruços que tinha visto mais portugueses qualificarem-se nos 16 primeiros: Alexandre Yokochi por duas vezes, José Couto outras duas, Diana Gomes e Victoria Kaminskaya uma vez, cada uma;

- Angélica André passou a ser a segunda portuguesa (contabilizando ambos os géneros) com mais participações em mundiais. Esta foi a sua sexta presença, ultrapassando Diogo Carvalho (5) e estando a duas participações de igualar Simão Morgado, que esteve em Perth’98, Fukuoka’01, Barcelona’03, Montreal’05, Melbourne’07, Roma’09, Xangai’11 e Barcelona’13.

Curiosamente o primeiro mundial de Angélica foi o último de Simão. Esteve em Barcelona’13, Kazan’15, Budapeste’17, Gwangju’19, Budapeste’22 e Fukuoka’23;

- Até Fukuoka’23, a prova dos 200 mariposa era aquela que tinha tido mais representantes nacionais, no total de 19. Com a estreia de Diogo Ribeiro nos 100 mariposa, ambas as provas ficaram assim empatadas. Nos 100 mariposa houve 11 portugueses e 8 portuguesas a competir no historial dos mundiais e nos 200 mariposa foram 12 homens e 7 mulheres;

- Por falar nos 200 mariposa, desde que Portugal participou pela primeira vez em mundiais (Berlim Ocidental 1978), teve sempre algum representante de algum género na prova dos 200 mariposa, interrompendo essa sequência apenas em Budapeste’22 (mundial que só teve a presença de dois nadadores portugueses com aposta da FPN nos Europeus de Roma no mesmo ano). Com a ausência de qualquer representante em Fukuoka, segue para duas edições consecutivas a ausência de representantes portugueses nos 200 mariposa;

- Diogo Ribeiro é o único português que nunca nadou pior que o 16º lugar, contabilizando provas individuais e de estafetas;

- Com 14 nadadores, esta foi a segunda maior delegação portuguesa em campeonatos do mundo, superada apenas pelos 15 nadadores presentes em Gwangju, igualando os 14 de Roma’09 e os 14 de…Budapeste’22. Isso mesmo, apesar de Portugal só ter estado com dois nadadores da natação pura, os quatro das águas abertas e, sobretudo, as 8 nadadoras da natação artística fizeram com que Budapeste fosse das edições onde mais se ouvisse falar português.